Dos 41 deputados que compõem a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), 27 assinaram, nesta terça – feira (27/04), o requerimento para criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com o objetivo de investigar a atuação da mineradora Vale no Pará. O número ultrapassa o necessário para a solicitação de abertura. A exigência, segundo o Regimento Interno da Casa de Leis, é de, no mínimo, 13 assinaturas.
A proposta é de iniciativa do deputado Ozório Juvenil (MDB), com objetivo de apurar a concessão de incentivos fiscais, o descumprimento de condicionantes ambientais, a ausência de segurança em barragens, repasses incorretos de recursos aos municípios, além de verificar as práticas dos preços externos de acordo com as normativas legais, o cadastro geral dos processos minerários existentes no Estado e outros fatos contra o desenvolvimento econômico do Pará.
De acordo com Ozório Juvenil, que também é presidente da Comissão Constituição e Justiça, a CPI busca defender os interesses do Estado do Pará e da população paraense.
“O que esse Parlamento quer saber é: quais os projetos estruturantes para o desenvolvimento econômico do Estado e atendimento coletivo de sua população, que a Vale tem deixado no Pará e aos paraenses, além dos investimentos em si mesmo, em novas tecnologias de exploração do minério de ferro, manganês, cobre e níquel daqui extraídos. Cabe ressaltar que, de outubro a dezembro de 2020, a Vale teve o lucro de R$ 4,8 bilhões, mesmo em tempos de pandemia”, justificou.
Um dos questionamentos é sobre a ausência de clareza na declaração das informações por parte da empresa quanto aos valores efetivamente pagos para os órgãos responsáveis pela aplicação dos recursos sobre as condicionantes e compensações.
“É importante destacar ainda a falta de transparência quanto a efetivação dos pagamentos de valores referentes às compensações socioambientais e financeiras, prejudicando o controle social quanto ao monitoramento da aplicação destes recursos para o efetivo desenvolvimento local. As informações contidas nos organismos institucionais que mantém os registros de exportações e vendas, tanto em nível federal quanto estadual, divergem quanto à aplicação das normativas legais referentes às práticas das vendas de minérios, em especial o minério de ferro”, completou.
No Pará – A Vale possui uma longa trajetória no Pará. Em 1985, a Estrada de Ferro Carajás começou a operação de transporte de minério de ferro e manganês de Carajás até o Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, no Maranhão.
Ainda nesse século, em 2004, houve a inauguração da Mina do Sossego; em 2011, a primeira mina de níquel da Vale no Brasil, Onça Puma; e a implantação do Projeto S11D, em Canaã dos Carajás. Em 2012, começa a operar a segunda mina de cobre da Vale: mina do Salobo; e, em 2014, a fase de teste do projeto Serra Leste. Decorridos todos esses anos, a Vale opera no Estado, sendo o maior complexo minerador do Brasil.
Segundo documento apresentado pelo propositor, em 2019, a empresa assinou protocolo de intenções de apoiar a estruturação de uma laminadora de aço em Marabá, pela CCCC – China Communication Construction Company. Passado esse período, a proposta ainda não foi concretizada.
Outro investimento estruturante a ser assumido pela Vale seria a instalação no Pará de uma unidade da “Tecnored”, possuidora de tecnologia produtora de ferro gusa de baixo carbono (gusa verde). Dois anos já se passaram e o projeto não avançou.
Um problema apontado é a inexistência de um plano de comunicação e de diálogo permanente com as comunidades que vivem no entorno dos empreendimentos com barragens no Pará.
Segundo o Cadastro Nacional de Barragens, a Vale possui 21 barragens no estado, sendo cinco com dano potencial associado de alto risco – o que exige um plano robusto de comunicação junto a essas comunidades. Pela insegurança, existe a obrigatoriedade de treinamentos e simulações sobre protocolos e rotas de segurança em caso de acidente ou rompimento de estruturas de barragem, o que não se tem conhecimento.
O tema ganhou repercussão entre os parlamentares presentes à Sessão Ordinária. O deputado Carlos Bordalo criticou a exploração e a falta de verticalização da produção mineral no estado.
“O Pará não pode mais ser um lugar de exploração dos nossos recursos naturais dos nossos minérios, mas nada é verticalizado no nosso território. As riquezas extraídas têm um baixo estágio de beneficiamento e de verticalização no estado. E isso não gera uma horizontalização de benefícios de geração de emprego e renda, de desenvolvimento regional. O minério é um passaporte para o futuro, mas esse futuro nunca chega ao Pará”, argumentou.
Igor Normando destacou os prejuízos ao Pará provocados por grandes empreendimentos. “Nós não podemos, em hipótese alguma, permitir que os grandes projetos instalados aqui se tornem ‘elefantes brancos’, depois de fazer toda a exploração minerária. Quantos exemplos nós temos, como a hidrelétrica de Tucuruí, que desenvolveu toda a região do lago, mas quando acabou a obra deixou um elefante branco”, ressaltou.
A deputada Marinor Brito – que já presidiu a Comissão Externa de Barragens da Assembleia Legislativa – aprovou a inciativa e relatou algumas dificuldades que precisam ser superadas.
“A Agência Nacional de Mineração não tem mecanismos de fiscalização, assim como a Secretaria Estadual de Meio Ambiente também não tem. Que bom que os deputados da base do governo estão mobilizados para apurar as possíveis irregularidades em relação ao repasse de valores que a Vale e as demais mineradoras têm trazidos para agravar os problemas sociais, ambientais e, inclusive, alguns irreversíveis”, disse.
De acordo com o presidente do Poder Legislativo, deputado Chicão, esse tema é um dos maiores problemas que o Pará enfrenta há muitos anos e precisa ser combatido para defender os interesses do estado e da sociedade.
“Esse é um dilema que o Pará vive há muito tempo e nunca se chegou a um denominador comum com a Vale. O estado do Pará é um dos maiores estados em termos de mineração, quando se fala de Brasil, e aqui temos as maiores jazidas. É triste sabermos que uma empresa com o potencial financeiro do tamanho da Vale, não possa deixar para a população do Pará aquilo que usufrui no nosso estado”, declarou.
“Acho que a CPI vem de encontro a isso, ao interesse de devolver ao Pará aquilo que é do Pará. A gente tem que encontrar um meio para que a Vale tire a sua produção, mas que beneficie o estado de maneira geral”, concluiu.
A Comissão – Para ser instalada, serão analisados os requisitos constitucionais do requerimento que solicita a criação da CPI pelo presidente da Casa. Depois será feita a indicação dos membros para a composição, sendo sete titulares e sete suplentes, obedecendo a proporcionalidade partidária. A partir disso, os trabalhos serão iniciados.
O prazo de funcionamento da CPI é de 90 dias, podendo ser prorrogável por quantas vezes for necessário até o encerramento da investigação.
Por Mara Barcellos – AID – Comunicação Social
Balthazar Costa (AID/Alepa)